terça-feira, 18 de outubro de 2011

Janela

Enquanto acordo, os raios velhos passam pela janela aberta, esquentando e ressecando minha já tão seca garganta.
As luzes dançam grãos de poeira, num vórtex desenfreado, tão incompreensível quanto o fantasma daquela janela, meio-aberta, meio-fechada, desconhecida em sua pura filosofia.
Eu não sei se o que me incomodava era a janela ou a luz. Luz demais. O velho Sol me acordava com rajadas cada dia mais vorazes, engolindo-me em seu calor, a despeito do meu óbvio cansaço e velhice.
E a janela ventava horas, dias, semanas. Eu, já desistente, rendo à tentação de mudar. Mudar tudo. Trocar de janela não bastaria. Eu ainda lembraria da tristeza da janela anterior e do ócio que me impedia de fechá-la.
Através dela, uma rua malvista, morta, decadente.
Nada pior que o desespero da tentação. A preguiça acalentava meu corpo para que não levantasse, para que ficasse quieto, deitado, e dormisse.
Mas a janela, a rua e o Sol me perturbavam demais. Estava com raiva da Velha Estrela. Acostumei-me com sua presença desde meus tempos pueris, e hoje, quando o demônio da velhice bate à porta, o Sol presente castiga meu velho corpo, com a luz ressecando-me e o calor sufocando-me.
Decididamente, se cedesse ao ócio dormiria, e provavelmente não acordaria. Por isso - e essa foi a decisão mais dura que já tomei -, levantei minha carcaça humana, estalando minhas juntas, e caminhei, lentamente, à janela.
E lá eternizei sua complexa filosofia, fechando-a.

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