domingo, 19 de fevereiro de 2012

Felicíssimos

É tão irritante pensar, às vezes, que, ao contrário do que manda a lógica dos nossos costumes, existem pessoas - até mesmo próximas a você -, que fazem melhores coisas que você mesmo faz, em todos os momentos do dia.
Pior que isso é Fernando. Ah, Fernando, que tu dirias se encontrasse Maria agora. Nem mesmo a felicidade que sentes por estar cercado de gentes felizes, rindo-se à toa, seria comparável a tristeza que sentiria.
Afinal, és apaixonado, e no âmago de si, sei que tens emoções em abundância. Sabemos todos que tu guardas essa paixão escondida, encoberta pelas obrigações sociais inerentes às suas respectivas posições de trabalho.
Vamos à história.
Fernando era um jornalista, ainda jovem, mas entristecido pelos anos de trabalho e obrigações. Andava com um porte característico dos pavões. Em todos os aspectos, no entanto, seu andar não correspondia à sua vida. Galanteador ele era, contudo não era nem bonito nem esperto o bastante para tornar-se chamativo para alguém. Sorte dele, nesse pequeno escritório que trabalhava, viste uma dama. Não 'uma'. O artigo aqui deve ser empregado com mais objetividade, mais ênfase. Ele viu 'a' dama. Para ele, 'a' dama. Única e universal, completa. 
Isabela. Sete letras. Um nome dado no batismo e levado em si por todos os dias. Apresentado aos amigos e familiares diariamente, mas a cada dia com um novo viço. A cada dia com um novo ardor, uma nova beleza.
Ela não era uma moça feia. Na verdade, era curvilínea, seus braços alvos faziam movimentos escolhidos. Seus ombros eram torneados, e seu rosto, que a princípio denotava uma marca de nascença, oras, este era magnanimamente esculpido. Era branca como neve, contudo não era fria. Era calorosa, gentil, feliz. E essa personalidade transcendente só glorificava mais ainda seus dotes corporais.
No escritório, um dia de domingo. Esse dia, em tese, seria reservado para Deus; ambos católicos de berço, obedeciam mal-e-mal os dogmas católicos. Por isso, trabalhavam também no dia santo. Fernando trajava um terno risca-de-giz. Isabela, um vestido mais à moda europeia, escuro, formal.
Ele, coitado, fazia hora extra, digitando, no computador da companhia, uma matéria programada para àquele dia, poucas horas à frente. Sua caneca de café estava jogada de lado no chão, esquecida.
Entra Isabela.
Fernando levanta a cabeça para ver quem entra - não era comum que invadissem o escritório àquelas horas, ainda era cedo! - e estaca.
- Olá!
Ele congela.
-Oláá!
-Er, oi, oi, prazer, Fernando.
-Prazer, Isabela. Sou nova no escritório, você não se importa se eu sentar aqui? - disse, puxando uma cadeira.
- Não, não, claro que não, o que é isso, o prazer é meu. Bem, o que faz?
- Eu sou repórter, costumo trabalhar com matérias de cultura. O que está escrevendo aí, Fernando?
- Ah, nada, só algumas coisinhas do Evento Cultural de Literatura Internacional.
- Ali. Tem uma data errada. O presidente promulgou essa lei, deixando abrir o Evento, em 1998, não em 1989.
- Olha, quem diria! Você está certa, claro, eu errei - (Minha Nossa, que mulherão!) - Ei, quer tomar um café qualquer dia desses?
- Talvez. Se você me deixar terminar essa matéria...
- Você realmente quer escrever essa coisa? É pra daqui a duas horas! E fala de política do início ao fim!
- Oh, mas política é um dos meus assuntos favoritos!
E assim a conversa foi.
Acabou que Isabela escreveu a matéria, ignorando as críticas de Fernando. Ela aceitou o cafezinho. Saíram. Foram num bar, beberam, riram, comeram. "E que vivamos felizes, Isabela, e que sejamos felizes, felicíssimos!".
Coitado, mal sabia ele que daqui a vinte anos estaria repetindo essas mesmas palavras, contrariando as estatísticas do trabalho, e fazendo valer - finalmente! - um Dia dos Namorados.
Ergue-se um cálice. É Fernando.
"Que sejamos felizes ainda por muito tempo! Que sejamos felicíssimos!"

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